02 novembro 2011

A Esquizofrenia na visão Fenomenológica…

Um dos temas que tem sido muito discutido na mídia é o da esquizofrenia.

E esta semana vamos falar sobre ela também em nosso seminário de Psicopatologia, matéria complexa, mas muito importante ministrada pela nossa querida Doutora Maria Aparecida Conti…(minha orientadora que admiro tanto)

O que é a esquizofrenia? Quais são os sintomas? Como se dá o tratamento? Tem cura? E a família? Interna ou não interna o paciente?

Uma gama imensa de perguntas surge diante da perplexidade da doença. E quanto mais respostas eu tenho, mais seguro me sinto, pois consigo explicar esse adoecer por esquemas estáticos, comprovados cientificamente, afastando o fenômeno da loucura do meu cotidiano organizado. Dessa forma, define-se a Esquizofrenia como uma doença onde a principal característica é a cisão entre pensamento e emoção, o que marca uma personalidade fragmentada e desestruturada. Os sintomas são diversos, e muito bem descritos e classificados pelos manuais de psiquiatria. As causas são multifatoriais, envolvendo o âmbito genético e ambiental. Tendo a clareza do diagnóstico, o tratamento se faz cada vez mais eficiente, com toda uma geração de medicamentos de segunda geração que garantem a diminuição dos efeitos colaterais.

Enfim, fala-se da vivência esquizofrênica em blocos teóricos, respondem-se aos “por quês”. Penso que tudo isso seja extremamente importante, até porque vivemos na era da técnica e os avanços das ciências trazem grandes descobertas que se desdobram em benefícios significativos a nossa sociedade.

Mas nessa corrida pela dominação e controle daquilo que é o mal, no caso a Esquizofrenia, porque foge da referência do “normal”, esquecemos de perguntar sobre a pessoa que vivencia essa condição. Como é essa Vivência? Como se mostra o esquizofrênico?

Para isso, vamos passear um pouco pela História e observar como a loucura era vista, por exemplo, no Renascimento: ela era um ponto de vista original, que servia de contraponto para o ponto de vista das pessoas normais, que fazia com que elas entendam o seu modo de perceber era limitado, pois o louco acessava uma parte da realidade que o normal não percebia. E por isso podemos ver na literatura uma obra como “Elogio da Loucura”, de Erasmo de Roterdã.

Mas partir do próprio Renascimento, com as mudanças ocorridas na estrutura política – centralização do poder – a concepção da loucura vai mudando também, passa a ser vista como aquilo que é diferente, e, portanto precisa ser excluído. Com o surgimento da psiquiatria científica e a coroação da Deusa da Razão, a loucura passa a ser o pior crime que o homem pode cometer, justamente porque ela é a perda da razão. Transforma-se a loucura em tudo o que existe de mal. Ela é perda, é o próprio mal e é a mentira.

Na Psiquiatria moderna, o que vemos é o desenvolvimento desse modo de pensar que se inicia lá no Renascimento, mas de uma forma radicalmente mais pragmática. E como já foi dito, temos a classificação dos sintomas mórbidos dos quadros patológicos e a descrição da maneira que esses quadros podem ser modificados – DSM IV e CID 10.

A tentativa de explicar o que funciona e como funciona, que marca o início da Psiquiatria científica, sai de cena e entra as Neurociências, que explicam todo esse fenômeno de forma cada vez mais reduzida ao âmbito das ligações sinápticas.

Primeira metade do século XX, os psiquiatras Jaspers (1883-1969), Minkowski (1885-1972), Von Gebsattel (1883 – 1976), sob influência do pensamento husserliano, descrevem a vivência dos pacientes, buscando a compreensão dos fenômenos patológicos tal como eles se mostram para o investigador e tendo como foco a investigação dos estados da consciência. A consciência no sentido husserliano é sempre intencional, ou seja, é sempre consciência de alguma coisa, não se apresenta, assim, separada do mundo. É importante sinalizar que a Fenomenologia surge como método a partir da crítica às ciências naturais, pois ao estudar o homem a partir do método científico havia a redução do homem ao conceito de objeto como qualquer outro objeto da natureza.

O esforço desses psiquiatras pretende, prioritariamente, esclarecer a dimensão humana e experiencial presente na doença. Visa superar a visão metafísica do homem e aproximar uma compreensão mais humana. E assim, esse movimento guarda o caráter que a loucura tem de interpelação do homem, que questiona o homem em sua propriedade, que oferece uma outra realidade que precisa ser compreendida, e é por isso que a loucura causa medo, espanto, desorganiza.

Vamos ver um pouco como esses psiquiatras compreendem a loucura:

Para Medard Boss (1903-1990), a esquizofrenia é a mais humana e a mais desumana das doenças. A mais humana porque compromete o que só o homem pode ser: clareia, ser aberto – a esquizofrenia restringe essa clareira que é o homem e que permite que os entes se mostrem da forma que eles são; e a mais desumana das doenças porque progride em um processo demencial, fazendo desaparecer a condição humana, tendo apenas como resto uma espécie de homem progressivamente desumanizado. É claro que ele não desaparece completamente, pois ele será sempre ser-com).

Ainda de acordo com a compreensão de Boss, o louco tem uma restrição em seu poder-ser tão acentuada que ele perde a sua liberdade e tem como característica marcante a estereotipia, e é porque os comportamentos reduzem a sua variabilidade e se apresentam de forma cada vez mais uniformes, que será possível classificar. O indivíduo se torna previsível.

Para Ronald David Laing (1927-1989), a loucura é a forma mais radical de solidão. Diferente dos normais, o louco não faz consenso. O consenso não se constitui nem do ponto de vista do próprio louco!

Para Michel Foucault (1922-1984): o louco está perdendo a sua subjetividade, e não a sua objetividade. A objetividade ocupa todo o espaço da experiência. O louco tem uma observação objetiva, as coisas não tem mais significados, mas têm uma presença, concretude. E o projeto da terapia não é trazer o louco de volta para objetividade, mas libertar o louco na sua subjetividade, trazer de volta para o caráter propriamente humano, que não reside necessariamente no caráter objetivo.

Essas são apenas algumas idéias para pensarmos na questão da loucura de uma forma mais abrangente, quebrando os limites protetores de uma ciência pragmática, que concebe o homem em um referencial marcado pelas relações deterministas de causa e efeito. Olhar para a loucura é olhar para nossa própria condição humana, pois o louco questiona nossa fragilidade, pois a loucura não é absolutamente o outro, o refúgio teórico. Pode acontecer com cada um de nós!

Adaptação do Texto de Ana Paula Rodrigues.

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